Dois Papas
Publicado originalmente em Hybrido.com.br
A morte do Papa João Paulo II está na minha memória igual ao 11 de setembro. Uma coisa não tem a ver com a outra, mas é aquela situação que você lembra onde estava, com quem, como estava o dia. Eu nunca fui religioso, não fiz primeira comunhão, mas aquele momento era único até então: o papa tinha morrido. E João Paulo era aquele líder que, independentemente da religião, era muito carismático. Todo o processo para a escolha de quem o substituiria foi uma curiosidade para aquele moleque de 17 anos.
Mas o que isso a ver com Dois Papas, novo filme do diretor brasileiro Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel), produzido pela Netflix? A morte de João Paulo é o pontapé inicial da história que envolve os cardeais Joseph Ratzinger e Jorge Bergoglio, os papas Bento XVI e Francisco. Após mostrar todo o processo do conclave de 2005, o filme mostra o encontro entre os dois, pouco tempo antes da renúncia de Bento XVI. Aliás, a cena da eleição do novo papa merece destaque por sua montagem dinâmica e bem-humorada.
Aliás, o bom humor é um dos pontos altos da produção. Ao mostrar o embate e as diferenças de pensamento dos dois religiosos, o roteiro de Anthony McCarten (Bohemian Rhapsody, A Teoria de Tudo) humaniza os dois homens, criando diálogos importantes sobre o posicionamento da Igreja Católica e seus dogmas, ou apenas mundanos, seja sobre futebol ou sobre os Beatles.
Anthony Hopkins e Jonathan Pryce desaparecem por trás dos homens que carregam todo o peso de sua história junto ao catolicismo e suas decisões como líderes religiosos. Se o primeiro tem uma fala cansada, mas imponente e os sinais de que o corpo já não consegue corresponder ao esperado do pontífice; o segundo é carismático, de fala mansa, mas que já não enxerga um propósito além do que alcançou. A semelhança de Pryce com Bergoglio é impressionante. E se Hopkins não é tão igual à Ratzinger, suas expressões físicas compensam. É um trabalho excepcional.
Assim como também é ótima a ambientação. O filme deixa claro o incômodo com todo o luxo das igrejas, salões, castelos e carros utilizados pela igreja católica. Isso coloca o espectador sob o ponto de vista de Francisco e seu criticismo. São cenários pesados, tetos infinitos, cheios de ouro, que contrapõem os locais onde o cardeal argentino realizava sua missão.
Ao querer aproximar também a jornada dos dois: as passadas de pano de Bento XVI para padres pedófilos e os movimentos de Francisco na ditadura militar argentina ou a vontade de um de abdicar e a do outro de não se achar pronto para algo tão importante, o filme recorre aos flashbacks. Essa quebra da dinâmica entre os protagonistas freia a trama e cria uma barriga no roteiro. É interessante que Meirelles mostre os períodos com aspectos de tela diferente, fotografia em preto e branco, mas o passado se prolonga demais e tira o foco do que realmente importa.
Joseph, Jorge, Bento ou Francisco, o grande barato do filme é conhecermos os bastidores de um dos fatos mais importantes dos últimos anos. É enxergarmos a humanidade em homens considerados santidades. Se isso é mais fácil com Francisco, que exala carisma e simpatia, o filme também nos faz enxergar Bento com outros olhos. Dois Papas chega como um filme que deve agradar aos mais de 1 bilhão de católicos e também qualquer um que goste de história, personagens carismáticos ou apenas um bom papo entre amigos.
Nota: 9