“This is America” — 16 obras para expandir o assunto

Alexandre Almeida
7 min readMay 10, 2018

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O mundo todo está falando sobre “This is America”, novo clipe e uma obra-prima de Childish Gambino, alter-ego de Donald Glover. O vídeo já tem mais de 50 milhões de visualizações em apenas três dias. E não estamos falando de um trailer esperado para um blockbuster ou o novo clipe de uma artista pop. É um vídeo de rap com referências a Jim Crow, massacres de negros, violência policial. E isso é excelente! Esse é um assunto que precisa ser debatido, precisa que as pessoas vejam o material e interpretem, troquem conhecimento e cada vez mais protestem e combatam o preconceito e a segregação.

Então que tal expandir o assunto? Existem diversas obras que abordam a questão racial mostrada em “This is America”. Separei aqui algumas para todos os gostos:

  • Malcolm X — O diretor Spike Lee traz o retrato da vida do líder afro-americano, passando por seu encarceramento, conversão ao Islã e seu assassinato. Malcolm X é um dos maiores nomes da história na luta pela igualdade e liberdade do povo negro e Denzel Washington entrega uma atuação espetacular.
  • Selma — A diretora Ava DuVernay mostra um recorte do trabalho de Martin Luther King para garantir o direito do voto para todos os afro-americanos. O filme mostra o trabalho do diretor do FBI na época, J. Edgar Hoover, em sabotar a vida de King, com a autorização do presidente Lyndon Johnson e a luta do líder pacifista para realizar a marcha de Selma até Montgomery enfrentando a violência policial. De acordo com o “Information is Beautiful”, o filme conta com 100% de fatos reais.
  • 13ª Emenda — O documentário da Netflix, também dirigido por Ava DuVernay, é um soco no estômago. O filme mostra como a 13ª Emenda da constituição americana, a que proíbe a escravidão, foi desvirtuada para colocar negros nas prisões e assim continuar colocando-os em trabalhos forçados ou movimentando o mercado lucrativo de cárcere privado, tornozeleiras e “segurança pública”. O documentário passa desde a criação da imagem preconceituosa do filme “O Nascimento de uma Nação”, os movimentos sociais da década de 60 e as políticas tidas como sociais nos governos Clinton e Bush.
  • Detroit — Kathryn Bigelow é uma das melhores diretoras quando o assunto é criar tensão com fatos que já conhecemos. Ela comprova isso com a recriação dos protestos contra as ações da polícia de Detroit, em 1967. A diretora mostra quase que em tempo real as atitudes de um grupo de agentes racistas ao interrogar hóspedes negros de um motel na cidade. É angustiante, dolorido e faz mal. Tudo isso graças à fotografia quase documental, colocando o espectador colado na parede junto com as vítimas, enquanto a monstruosidade (incorporada de forma espetacular por Will Poulter) acontece.
  • Corra — Se o filme anterior trata as questões raciais com um realismo ao extremo, em “Corra!” o diretor Jordan Peele cria uma trama que mistura terror, comédia e crítica de uma forma poucas vezes vistas no cinema americano nos últimos anos. A jornada de Chris (negro) para conhecer os sogros (brancos), que acaba encontrando uma comunidade perturbadora é cheia de reviravoltas, sarcasmo e uma forma ácida de mostrar o preconceito velado (ou não) da sociedade americana. Daniel Kaluuya e Catherine Keener arrebentam.
  • Moonlight — O filme de Barry Jenkins é uma das histórias mais bonitas dos últimos anos. A vida de Chiron é real. Mas não por ser baseada em fatos reais. Acompanhamos o jovem em três fases da sua vida: criança, no subúrbio de Miami, quando tem na figura paterna do traficante Juan (Mahershala Ali é fantástico) o seu maior companheiro; adolescente, quando descobre sua primeira paixão pelo melhor amigo; e adulto, ao ser confrontado pelo passado. É fantástica a forma como o filme se desenrola e se sua maior força está no primeiro e segundo arco, é no terceiro que Jenkins joga na cara do espectador toda a soma das simbologias, olhares e atitudes de Chiron, em um diálogo lindo entre o personagem e o seu amor.
  • Eu não sou seu Negro — Na década de 1960 os três maiores nomes da luta pela igualdade dos negros foram assassinados: Malcolm X, Martin Luther King Jr. e Megdar Evers. As mortes inspiraram o escritos James Baldwin a criar “Remember this House”, um manuscrito que nunca foi terminado, mas virou este documentário de Raoul Peck. O filme mostra o impacto das atitudes dos “heróis do velho-oeste” matando os nativos americanos em paralelo ao que isso causa a uma criança negra. Mas talvez o momento mais fantástico do filme seja o embate de Baldwin com Paul Weiss em um programa de TV, quando Weiss afirma que “Todo homem é igual” e o escritor esmaga o pensamento simplista com uma argumentação sobre preconceito institucionalizado.
  • Pantera Negra — Sim. É um filme de super-heróis. Sim, ele é representativo. Um filme com um elenco quase todo formado por negros, com grandes nomes do cinema, ambientado em um país africano mais avançado tecnologicamente do que qualquer um no mundo, com uma das melhores trilhas sonoras originais dos últimos anos e criada por um dos maiores expoentes do rap e da música na atualidade. Além disso, o filme conta com um vilão que veio de um gueto americano, com motivações tão humanas que é difícil não se emocionar quando SPOILER SPOILER SPOILER SPOILER em seu discurso final, a beira da morte, ele afirma preferir morrer como os antepassados que pulavam dos navios do que viver preso. O resultado? Mais de 1,3 bilhões de dólares de bilheteria e um novo ícone para a cultura pop.
  • Marshall — Antes de estrear como o Pantera Negra, Chadwick Boseman atuou nesse filme que mostra a história real do advogado Thurgood Marshall, primeiro juiz afro-americano da Suprema Corte dos Estados Unidos, atuando em seus primeiros casos defendendo negros acusados injustamente de crimes. É a história de um grande homem, que luta por sua paixão e ideais, mas também sofre com as consequências da época.
  • Loving — O filme conta a história de amor e luta contra a segregação racial do casal interracial Mildred e Richard Loving, que foram presos em 1958 apenas por serem casados. A trama aborda seu exílio e a busca por direitos iguais, que foi parar na Suprema Corte Americana em 1967. Joel Edgerton está excelente no papel do homem do interior que luta pela sua família e seu amor. A angústia e desconfiança do personagem são passadas só com o olhar. Mais do que necessário.
  • What Happened, Miss Simone? — Mais um documentário da Netflix na lista. Este contando a vida da cantora, pianista e ativista Nina Simone. As mensagens pelos direitos civis estiveram presentes em diversas canções, como MIssissippi Goddamn, que abordava o assassinato de Medgar Evers e a explosão de uma igreja no Alabama. O filme traz gravações e imagens inéditas da cantora e que mostra como ela se tornou uma artista incompreendida em seu tempo.
  • Mississippi em Chamas — Esse clássico dirigido por Alan Parker conta a história de dois investigadores que buscam respostas para o desaparecimento de ativistas pelos direitos civis em uma cidade do Mississipi. Sem o apoio das autoridades locais e o medo dos afro-americanos que temem retaliações por parte dos supremacistas, os agentes têm que buscar medidas mais drásticas. Um retrato contundente da realidade vivida pelos negros em comunidades dominadas por discursos de ódio.
  • A Outra História Americana — O filme mostra como dois irmãos desenvolvem ódio pelos negros devido o assassinato de seu pai, bombeiro, baleado enquanto atendia um chamado. O mais velho, interpretado por Edward Norton, acaba influenciado por uma liderança de skinheads e mata três negros, se tornando um ídolo para os jovens brancos da comunidade. Entretanto, ao sair da prisão e devido suas experiências, Derek volta ao seu mundo com novos pensamentos. Mais do que mostrar comportamentos neonazistas, o filme se aprofunda na discussão de que o preconceito e racismo estão infiltrados na cultura americana e são passados de geração.
  • Hotel Ruanda — Um dos maiores exemplos de como a América (do Norte) só olha para fora do seu umbigo quando lhe é interessante se dá nessa história do massacre dos tutsis pelos hutus em 1994. Não houve apoio da comunidade internacional para evitar ou controlar os ataques que mataram cerca de um milhão de pessoas baleadas, queimadas ou esquartejadas. O personagem de Don Cheadle, Paul Rusesabagina, abriga mais de 1.200 pessoas em um hotel para salvá-los dos ataques. A cena da fuga de carro em uma estrada cheia de corpos é angustiante. Assim como no genocídio, muitos viraram as costas para o filme, que foi pouco exibido nos grandes mercados internacionais.
  • Queer Eye (terceiro episódio da primeira temporada )— Saindo um pouco dos filmes vale ressaltar um episódio que aborda o tema do preconceito racial no reality show, que mostra cinco homens gays mudando a vida de outros homens nos Estados Unidos. No terceiro episódio eles se encontram com um policial viciado em corridas de carros. Dentro da sua casa, cartazes em apoio a Donald Trump. Além disso, um dos protagonistas, Karamo Brown, tem que confrontar o seu relacionamento como um homem negro com a polícia e todas opressões que já sofreu ou viu amigos e conhecidos sofrerem pela cor de suas peles. A cena da conversa entre os dois no carro é belíssima com Karamo falando sobre o que já passou e o policial mostrando seus pensamentos sobre a atitude de seus colegas de profissão.

E por último e talvez um dos mais importantes e marcantes:

  • Cidade de Deus — Essa é a nossa América. É o retrato de uma comunidade que foi criada para receber os nordestinos que saíram de seus estados procurando mais oportunidades no Rio de Janeiro, mas acabaram abandonados pelo estado. A história da criação da Cidade de Deus e do tráfico de drogas na comunidade acompanham o amadurecimento de personagens que tentam escapar daquela realidade e de outros que são absorvidos pela crueldade imposta pela sobrevivência nessas condições. Um trabalho espetacular, que pode ser o retrato de uma comunidade carioca, de um subúrbio da Califórnia ou de um gueto na França.

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Alexandre Almeida

Cinema, TV e música. Cinéfilo na veia, música em todos os tempos livres e TV naquela hora do sofá.